Falsidade ideológica e acumulação de cargos públicos
A Primeira Turma, por unanimidade, rejeitou a denúncia oferecida contra deputado federal, em razão da ausência de justa causa necessária à instauração da ação penal [Código de Processo Penal, art. 395, III (1)].
Na peça acusatória, o “Parquet” imputa ao acusado a prática de falsidade ideológica [Código Penal, art. 299 (2)], em razão de assinatura do termo de posse no cargo de ouvidor da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), com a omissão da informação de que ocupava, desde o mês anterior, o cargo de secretário parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (ALEPE). O termo de posse mencionado na exordial foi assinado tanto pelo superintendente da Sudene quanto pelo empossado (denunciado), apenas com a referência à juntada de “declaração de bens e rendimentos e, ainda, declaração quanto ao exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública”.
O Colegiado salientou que a inicial acusatória deve alicerçar-se em elementos probatórios mínimos que demonstrem a materialidade do fato delituoso e os indícios suficientes de autoria, em respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Nesse contexto, pontuou que a denúncia não está acompanhada da mencionada “declaração quanto ao exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública”, que teria sido assinada pelo acusado e, assim, conferiria materialidade ao crime de falsidade ideológica.
Narrou que a referida “declaração de bens e valores” constitui um formulário preenchido pelo acusado, destinado ao controle da evolução patrimonial dos ocupantes de cargo em comissão na Sudene, no qual inexiste campo destinado à informação sobre acúmulo de cargos públicos.
Relatou que o não preenchimento, mencionado pelo “Parquet”, do item relativo aos “rendimentos recebidos de pessoas jurídicas pelo titular” está justificado no próprio documento, que orienta o subscritor, no caso de “declaração de ingresso”, a preencher unicamente alguns dos itens, entre os quais não se inclui aquele referido na denúncia.
A Turma consignou não haver qualquer dado material a comprovar a afirmação da denúncia, no sentido de que, “consciente e voluntariamente, omitiu tanto do respectivo termo quanto de seu anexo a informação de que já ocupava outro cargo público e recebia rendimentos correspondentes”. Assim, inexistindo qualquer campo no formulário sobre o acúmulo de cargos, não há justa causa para receber denúncia que imputa ao acusado a omissão dessa informação em documento público.
Ademais, o Colegiado asseverou que as decisões proferidas pelas esferas administrativas e jurisdicionais competentes são autônomas e independentes, razão por que o juízo criminal não está vinculado à decisão proferida no âmbito administrativo, seja ela contrária ou favorável ao jurisdicionado. Consectariamente, nenhuma repercussão sobre o presente feito têm as decisões proferidas no âmbito da Sudene e da Alepe quanto à ausência de prejuízo ou de má-fé do acusado, no que se refere ao acúmulo de cargos públicos. Pelas mesmas razões, a Turma ressaltou que o fato de uma mesma conduta ser sancionada por diferentes ramos do Direito não conduz à incidência do princípio da intervenção mínima, de modo a afastar a coercibilidade das normas de Direito Penal criminalizadoras da conduta.
(1) CPP/1941: “Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (...) III – faltar justa causa para o exercício da ação penal”.
(2) CP/1940: “Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular”.
Inq 4105/PE, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 30.5.2017. (INQ 4105)
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